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domingo, 12 de fevereiro de 2017

CONFIESO QUE HE VIVIDO

Foram décadas, séculos, milênios talvez, engarrafados numa garrafa que um dia após um naufrágio algum menino de olhos grandes de outro tempo há de encontrar. Os fólios ali contidos hão de contar uma história cheia de coisas mal contadas, mas principalmente de segredos que só a gente sabe. É o nosso crime perfeito. Certas coisas tem que ir e agora te vais tu. Qual fosse eu um barco a deriva que despede a terra em um arco destinado ao fundo do mar.Quando meus dedos cansados e doloridos( das bobagens da noite passada) encontram a pena, eu compreendo finalmente que vou ao papel como quem crê busca um padre, um Deus, ou um trago. Venho ao papel com a necessidade de confissão. Confessar minhas culpas e buscar os meus perdões, aqueles que precisam ser perdoados quando alguéns não são quem poderiam ser. Confessar sobre minhas janelas fechadas quando abriste as tuas aos meus dias, fazendo a tua luz entrar. Eu te perdôo pelo amor que me destes e estou tentando me perdoar também pelo amor todo que há de ti, mas que não soube ser amado enquanto dois. Confesso, assim como Neruda fez há tanto, que “he vivido”. Que fui embora de nós, todas as vezes em que ficar se tornou necessário e agora que te vais, percebo que deverias tê-lo feito há tanto. Nos encontramos, na curva errada, quem sabe? Numa que não nos esperava, fomos temporal em um rio de cidade tranqüila. Os grandes amores costumam nascer na hora errada, deve ser uma armadilha do destino para que possam ser testados. E na verdade quem fica realmente junto quando encontra algo tão forte e tão intenso. Nunca vi acontecer, talvez não seja possível. Certas coisas tem que ir e tu te vais pra não mais. E eu vou caminhando em busca de absolvição. Da minha para comigo mesmo, e eu confesso, finalmente, que é melhor assim, que esse monte de coisas sussurradas por meus dedos são retalhos de uma canção. Uma canção que não me mata, mas que serve como adeus. Nicolás Gonçalves

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

É Tarde

É tarde sabe, talvez seja tarde demais, talvez, sei lá. Ando bebendo( não que isso seja estranho), o estranho nisso tudo é que bebo por que preciso e não tenho por que tenho vontade, ando tão sem vontade de ter vontade, que ando numa vontade enorme de não ter vontade alguma. Ando caminhando rápido, logo eu que sempre presei os passos lentos. Queria as vezes estar melhor comigo mesmo, não sentir que tô sempre torto, ando cansado de acreditar que te tanto entortar, vou acabar me endireitando de novo, ou melhor me esquerdando, ir pra direita, jamais.
Mas é muito tarde pra acordar tão cedo e pensar que as coisas vão de mal a pior, que o mundo inteiro tem esse tom cinza, qual fosse aquarela surrealista, andei pensando em morrer, mas os bons morrem jovens, não eu, nós os que nem eu, sabe? Nós ficamos velhos e caídos na sarjeta bebendo o que tiver pra beber, ainda sem vontade, ainda sem querer, ainda, apenas por que precisamos.
E é tarde demais pra dormir cedo e acordar amanhã fingindo que tenho mil coisas pra fazer, tarde pra fingir que posso virar as madrugadas e amanhã estar bem, não tenho mais idade pra isso, ou até tenho, o que eu não tenho é vontade, o que eu não tenho é saco. Acabou a cerveja, mas um tinha um keep cooler de pêssego na geladeira, isso mesmo, vocês leram certo, keep cooler de pêssego, poderia me levantar, colocar um tênis e ir atrás da porcaria de uma cerveja, mas ando sem vontade, abro o keep mesmo, ele me bebe e eu o bebo, acho que o gosto dele deve ser melhor.
E então quando já não nos beijamos, a garrafa e eu, ela me encara, como perguntando, qual fosse eu, esfinge a devorá-la por não entender-me, e suas perguntas( que são a coisa mais valiosa do mundo, sim, as perguntas, jamais as respostas) não me dizem nada, soam silenciosas como a vontade muda de gritar até minha voz se extinguir, não me dizem nada, e enfim, eu entendo o porque, no final, afinal, eu não tenho perguntas, e sem perguntas ando meio sem vontade de perguntar, sem vontade de ter vontade alguma, sem vontade alguma de dizer que é tarde.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Por se partisse


E essa angustia constante, cortante, rasgante qual faca que mata o que toca depois de torturar. Pois disso se tratam os amores, da tortura antes da morte. Não sou um pessimista, sou um apaixonado, tormentoso nos meus quereres eternos, sou o jovem Werther de meus dias, uma alma atormentada por fantasmas demais, que falam demais através da minha boca grande em demasia, carrego o mundo nos olhos, por isso o seu tamanho exagerado, levo o peso de cada coisa mal dita, maldita coisa que me faz caminhar devagar. Não tenho problemas com a pressa, as pontas de poesia que encontro nos bolsos cansados pesam demais, e me atrapalham o caminho, muito embora o indiquem, o pintem e inventem, é apenas isso, ou tudo isso, afinal.
 E então te encontro, te reencontro, ali, como se sempre ali tivesse estado. Invades, então o porta retrato, instalas tuas fotos, tuas coisas no armário que carrego em mim, e me emprestas teus sonhos, imprimes teus dedos na minha pele, e o tormento de querer-te vai guiando os meus dias, fazendo com que meus pulmões que não se dão bem com o ar, voltem a respirar, e meus olhos grandes ganham um brilho que não recordavam ter, e me enches dessas coisas que só tu tens, e que ocupam os espaços vazios que eu nem sabia possuir.
Fecho os olhos e te encontro, muito embora não estivesses no teu lugar, no lugar que começastes a ocupar como num passe de mágica, como numa poção de amor, que eu tomei sem saber em um dos nossos porres noturnos( diurnos), isso não importa, realmente. E se não estás, bom, parece-me que eu também não estou, resta um escritor pela metade, sem talento, sem vontade de ter vontade, silencioso( sim, falo muito pouco, por mais chocante que isso seja). Este texto, não sei defini-lo, é uma carta para um senão. Uma carta para tua ausência, aquela que não quero, aquela que não posso, é uma carta colocada numa garrafa, pra todos os iguais a mim, todos os que encontram algo que não esperavam encontrar, pra todos os que te conheceram em outros rostos, pra todos que ouviram o teu riso de outras bocas, pra todos os que dividiram os teus sonhos em outros corpos.  

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O Paradoxo da tranquilidade intranquila


O Vazio não é um lugar tranquilo, deveria chamar-se mar da intranquilidade aquele espaço lunar. O silêncio não é um estado de tranquilidade, é um estado de incessante movimento ventricular, a paz é intranquila também, pois são intranquilos os homens que buscam-na. Toda busca é intranquila, toda paz, obtida é formada por rios de mil vertentes de coisas nada monótonas.
Acordou ainda era noite, o suor lhe corria pelo rosto, e mil idéias lhe corriam pela mente. Talvez fosse quase hora de acordar, seus olhos pesavam o sono lutava contra ele mesmo, o sono, e por conseguinte, ao mesmo tempo que perdia, vencia. Paradoxal, sentia-se assim. Vencido, paradoxalmente, por uma derrota. Pensou no mar lunar, aquele da tranquilidade, estava em silêncio, o mundo estava calado, mas nada havia de tranquilo naquele instante.
Olhou para o lado, buscou algum calor diferente do seu, uma temperatura conhecida, um sorriso em nada afável, a obstinada derrota que ela também vestia as vezes, viu-se sozinho, mesmo que ela estivesse por ali, desenhada na parede da memória, tal qual miragem que não sabe desistir de ser tocável, amável, beijável. Quase poderia tocá-la, e era o quase, o ser mais perfeito na imperfeição que incomodava, que doía, que vencia o sono, que impedia que a tranquilidade fosse um lugar tranquilo.
Enfim, o dia chegou. O sono não chegou mais. Apesar de sempre estar ali a espreita, como ela andará, como andará seu dia, quem sabe ela me leia, quem ela me busque, quem sabe a gente se encontre, numa dessas curvas que sempre nos levaram ao encontro, e eu fique intranquilamente tranquilo num abraço que me prenda e que me solte, como o paradoxo lunar, como o paradoxo do olhar, que eu não sei se um dia há de ser meu.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Morte e vida severina


Estava morto,disso tinha certeza, lembrava de morrer. Da dor excruciante, dos olhos pesados demais para ficarem abertos, pelo sentimento anestésico seguido por uma paz sepulcral.Então, que diabos era aquilo, que roupas eram aquelas de quem era aquele corpo. Parece-se comigo, pensou, enquanto olhava pra baixo e enxergava a barriga levemente protuberante. Uma corda com nó no meio, riu, sempre o fazia quando se auto denominava assim.
Teria sido um sonho. A morte? Ou seria um sonho pós morte, a vida? Essa vida que agora vivia mesmo que soubesse estar morto. Estava confuso, não era para menos, impossível seria não estar. Começou a recorda, encontrou consigo mesmo correndo por um corredor escuro, com os disparos seguindo seus calcanhares, da sua mão suada puxando com força a mão de helena, como dizendo-lhe: Fique tranqüila, vai ficar tudo bem.
Lembrava da camisa quadriculada e do sangue que ficaria eternamente impresso nela, do furo de bala lhe penetrando o pulmão e impedindo de respirar algo diferente do que o gosto da morte, eternamente cravejado em sua garganta. Como se chamava naquela vida, não lembrava ao certo? Algo com A, Artur, Alfredo, Anísio, Aloísio, não sabia dizer ao certo. Tinha o nome de um homem morto.
Alguém lhe tocou as costas, uma boca muda começou a mover-se e por alguns instantes pensou que o novo ele era surdo, mas o som começou a se fazer presente, aos poucos, devagar, mas começou a tornar-se algo discernível. Sentiu como se pudesse tocar as palavras, e aquilo o alegrou. O seu interlocutor parecia esperar uma resposta, um sim ou não, pensou, um não ou um sim, preferiu o sim, é sempre mais amigável, responder com sim, sua voz saiu alta, quase um grito. O sujeito encarou-o por alguns instantes, sacou uma arma de um coldre que trazia na cintura e entregou-a ao novo vivo.
Artur, Alfredo, Anísio ou qualquer coisa que o valha, aceitou o souvenir, e espantou-se de como parecia fácil segurar aquela arma, como parecia natural. O sujeito disse então:
- Vamos antes que aqueles dois fujam.
Sentia- se excitado perseguindo alguém, alguém que ele nem sabia quem era, ou por quê perseguia. Contudo, seguiu sua marcha entrou em um longo corredor escuro e viu um casal correndo, estavam a uns cinqüenta, sessenta metros, ele segurava a mão dela, e o novo vivo segurava uma arma de calibre 38, correu e correu, eles corriam menos do que ele, sua excitação aumentava, começou a atirar e em alguns segundos alguém caiu. Era o homem a mulher parou. Como se não tivesse mais por que correr, o seu colega que lhe dera a arma, atirou na cabeça dela. Não sobrou muito. Ele o ex morto, recém renascido de aproximou do rapaz caído, seu rosto lhe parecia familiar, gostou da camisa quadriculada do rapaz.
Da onde eu conheço esse cara? De outra vida talvez, levantou as sobrancelhas como um matador de filme americano, preparou o gatilho e mirou entre os olhos, o rapaz sussurrou algo, o novo vivo preferiu não entender, não queria levar com ele uma daquelas frases que nunca se esquece. Atirou e deu meia volta para sua nova vida, o que o rapaz disse e que o novo vivo, ex morto jamais vai saber foi: Meu nome é Antônio e eu vou voltar.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Essa é minha garota


Tá tudo bem, é sério. Não tem problema. Eu também não sou tão bom assim. E tem mil outras coisas que nos cercam. É passado, é presente, é uma idéia de futuro. Sério, tá tudo bem. Ainda vais me empurrar no meio da noite, e eu vou ficar com frio, destapado de ti, sob as cobertas que nem de perto lembram teu calor. Mas é sério, tudo bem.
Eu ainda quero ficar contigo, quando o dia acaba sem nós,  ainda quero ficar contigo quando esfria, e nos dias quentes também. Mas Pô, vamos ser sinceros, o que te faz querer ficar comigo, tá legal, eu não sou feio, mas qualquer um que enxergue sabe que também não sou tão bonito assim, talvez realmente, tu sejas aquelas garota do conto do Bukowski, acho que era Cass o nome dela, bonito nome, mesmo que não lembre, meio que lembra o teu.
Ela me paga o jantar. Uma sopa vegetariana, leva de tudo um pouco, eu até ajudo a fazer, mas faço a minha parte bem mal feita. Ela dá uma cheirada no copo antes de servir o refrigente de citrus de que a gente vinha falando há dias e finalmente eu achei no supermercado. Falo algo fora de lugar, ela pega o copo cheio e ameaça jogar tudo na minha cara, me protejo com o antebraço, porque ela é bem capaz de jogar tudo na minha cara. Alguém pode até dizer que ela é maluca, e eu não discordaria mas essa é uma das coisas que eu amo nela. Sou meio certinho demais, muito embora quase ninguém perceba, sou duro demais por ser tão mole, ela vê isso,  enquanto quase ninguém mais vê. E isso é outra coisa que eu amo nela.
E sabe o que ela odeia? Odeia que eu diga que há coisas que eu amo nela, ela não entende como alguém pode gostar tanto assim dela, o que dizer amar. Eu digo, essa garota é maluca, e eu sou maluco quando ando com ela. Tá tudo uma bagunça, a gente até dá um jeito no quarto, mas no fim do dia eu já baguncei tudo de novo, procurando uma blusa que ela deu um jeito de perder dentro do próprio quarto, e ela anda de lá pra cá, atrás da maquiagem e reclamando por que tá atrasada e a amiga dela vai ficar furiosa e juro que nessa hora, eu paro pra olhar pra ela e tudo fica quase respondido.
Ela vê, enxerga, e se expõe, e fala, mas na verdade, ela não fala muito, não. Ela tá escondida embaixo das coisas que conta, embaixo dos escudos, e eu olho pra ela e vejo um espelho, bem mais bonito, mas um espelho. E penso, essa é minha garota, acho que sempre vou pensar assim. Pode ser que eu esteja errado, que eu mude de idéia amanhã, mas hoje eu tenho certeza, não importa o que aconteça, toda vez que eu souber que ela está se escondendo eu vou pensar: Essa é minha garota.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Bergamotas, Clorofina e Tal Golin

Vesti minhas roupas de te esperar num dia desses. Antes desses de agora, sabe. Num daqueles em que eu não sabia muito dos caminhos que percorrias, e sinceramente, não sabia muito dos caminhos que eu mesmo cruzava. E fui te esperando, no começo, admito, não pelos motivos certos, e fui te encontrando na minha espera e de repente “boom”( que nem aquele do conto do Marcelinho, só que totalmente diferente).
Algo surgiu do ponto onde surgem as coisas novas, algo diferente do esperado, um desvio de percurso, nesse percurso de infindos desvios, e eu te vi adormecida uma e outra vez( e te ver dormir tem grande parte nesse nosso estar, nesse meu querer ao menos) e dividimos tantas coisas, né não? Histórias de vida, de dores, de perdas.
Talvez tudo tenha nascido nas rosas que não querias, começado naquela noite em que eu te vi dançar pela primeira vez. Eu sei, eu sei, quase um ano nos separa daquilo, e nenhum dos dois estava por aqui. Mas tudo tem um ponto de partida. Talvez tudo comece no beijo que não demos( muito embora tenhamos dado), naquele colégio pequeno que nos abrigava nas tardes frias de um outro julho de há tantos anos, talvez tudo comece em algum verso de canção escrito por um deus comediante, em um livro que nunca leremos, que decidiu por lunático cruzar nossos caminhos uma e outra vez, como se assim fosse, como se assim tivesse de ser. Tantos anos depois, tanto tempo de não ser nada, contrapondo os teus dias de ser tanto.
Talvez eu pense em demais em cada talvez, talvez seja assim e ponto. Sem grandes elementos agravantes, sem grandes motivos, palavras de efeito( o único charme real que eu tenho), embaixo de tudo isso, embaixo de cada talvez que eu insisto em levar comigo, tudo parece mais claro, mais real, mais palpável, como tua brabeza, nossas brigas que eu quase não brigo, como esse estar junto desfazendo-se a cada frase mal dita( maldita frase). A cada desculpa que não sei, sei lá, se desculpa alguma coisa.
E agora está gravado naquele sofá que foi embora, naquele rack em que colamos recortes de jornal( por sinal, sou quase um profissional nisso), está naquele livro do Tal Golin, no maço de cigarro que eu abri como quem sabe. Está no suor compartilhado, nos poemas que nascem as vezes, em cada vez que te escrevo, exatamente como estás escrita em mim. Ou ainda cada vez que empunhas tuas armas naquela história que te conta, nas bergamotas comidas no banco da praça, nos primeiros dias de um caminho distinto, do caminho distinto que por tanto tempo passamos a levar.