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sexta-feira, 1 de junho de 2012

De partidas e chegadas

Às vezes te deixo ali no canto. Escondida embaixo de um monte de tralhas que vou jogando para que nenhum pedaço teu apareça. Jogo a toalha molhada do banho, a roupa do futebol, o All star surrado, a camisa xadrez desbotada com uma mancha de sangue que não sai mais. Jogo os livros que preenchem minha estante e desligo a luz do quarto. Te deixo ali, e finjo que esqueci, quase acredito que não tem ninguém ali, quase acredito que não olho de soslaio a cada instante e que aquele brilho que vem lá de baixo desse monte de coisas não é o teu sorriso explicando o mundo. Te deixo ali no canto, quando fazes o mesmo comigo, quando não pensas em mim. Penso em não pensar-te também, afinal, eu tenho esse direito, acho que tenho ao menos. Sei das minhas culpas, mas lidar com elas é mais difícil cada vez que desfilas teus olhares portentosos pelas ruelas da lembrança, pra cada vez que uma febre me acomete nos dias frios, só por que lembrei do calor do teus dedos fingindo que fingiam não ser meus. Ás vezes vou ali e tiro as coisas, dou uma olhada e uma certa dor vem ter comigo, me chama pra conversa e me fala das coisas que tens feito, e das coisas que eu não, e me fala dos nossos dias, das nossas noites memoráveis, das batalhas insondáveis pelos carinhos da donzela. E a dor, essa quimera do avesso, vai descrevendo cada gesto teu que já não vejo, cada risada tua que já não rio, cada universo que já não crio, nos teus instantes de não estar. E então retornas, com o ardor das primaveras, mesmo no mais frio dos dias frios, e preenches o vazio, o eterno e infindo devaneio de pensar em não pensar-te vai ficando para trás, e voltas a residir no centro das coisas, te tapas com as minhas cobertas, e eu nem frio sinto, meus pés gelam um pouco, mas quando acordares sei que me emprestas teu calor e tudo fica bem de novo. Falo algo no teu ouvido, repetes um gracejo, me abraças e me beijas, te digo outra coisa e ris da minha cara. Mas tudo bem, já não sinto frio, então, podes rir.

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