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sábado, 27 de agosto de 2011

CONFISSÃO A UM QUINTANA SOBREVOANTE

Estava ali, tão próximo, tão dentro daquele universo tão denso. Me senti como uma estrela que chega perto demais de um buraco negro. Do outro lado daquele vidro, um cigarro fumegante, uma cadeira ainda aquecida, uma máquina de escrever que ainda soletra, um quadro de Greta Garbo. E lá Sobre tudo aquilo, um Quintana sobrevoante, rindo enfadado do barulho dos sapatos chorosos agredindo o cimento das ruas.
Estava ali tão nele, ou ele tão em mim, que quase podia sê-lo. Quase podia incorporá-lo tal qual um médium de marca maior. Quase me atrevi àquela pena, adormecida do outro lado, lá onde ele ainda dorme, ainda escreve e ainda sonha. Quase me atrevi e como sempre não o fiz. Isso me incomodou um pouco, devo admitir, deveria ter cruzado aqueles corredores intransponíveis. Ah, eu deveria. Ah, eu devo tanto.
Estava ali ouvindo seus versos transpirados fugindo pelo buraco da fechadura e me seguindo pelos corredores do universo em que ele fisicamente aceitara residir. E estive a ponto de enfartar, fingir-me de morto quiçá, pra ver se minha alma acreditava e se encontrava com a dele para um café, algo mais forte quem sabe, algo alcoólico talvez, o que lhe apetecesse já seria do meu agrado.
Olhei a janela, pensando seriamente em pular. Encontrá-lo no caminho. Uma quebradura , duas. Uma semi inconsciência, um encontro com o mestre. E dei um passo, o segundo já foi mais trêmulo, as mãos repousadas nos bolsos começaram um processo irreversível de criação de suor, o coração pulsava, tratando de fugir pela boca, ou por qualquer outro lugar que lhe permitisse a fuga. E meu medo de altura começou a se tornar um pavor, minha velocidade foi sendo reduzida, meus passos se tornaram menos que passos e eu finalmente parei.
Parado, girei sobre meus calcanhares e com as mãos ainda nos bolsos, fui visitar outros caminhos. Segurando as lágrimas, com vergonha das pessoas que cruzavam meu caminho e que me olhavam( quase como se soubessem). Subi outros andares, ainda com a maior parte de mim parada frente aquela porta. Ainda olhando aquele vidro, embaçando-o com um respirar que não possui. Posso sentir, posso ver até, o mestre ali sentado e sorrindo pra mim( ou pra essa parte de mim), ou me sorrindo não sei ao certo. Fico feliz ao constatar, que ao menos aquela parte de mim, conseguiu pular.

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