Texto do amigo Pedro Marchioro
Donde, Riachuello? Sim, sim. Minutinho só, vou anotar.
Achou logo ali, na primeira gaveta. A caneta, mas os papeis eram todos envelopados de cartas
- faturas de luz e água - não davam pra escrever. O livro de receitas de Felipe, pensou. Paginou
paginou, não encontrou uma só folha. Bolo de fubá, canjica, nega-maluca, torta alemã – o
cara estuda gastronomia pra aprender nega-maluca? É mole! Disse assim ele gesticulando um
poxa-vida. Lembrou da avó, de sua nega-maluca impecável e de como ela faria o bolo sem
anotar a receita porque nem escrever a velha sabia, misturando os ingredientes todos na boca
e cuspindo um caldo uniforme numa panela velha, que indo ao forno de lenha, sob o qual
dormiam cachorros gatos e bichos amontoados, ficava assim prontinho num segundo.
Riachuello né, um minuto, dizia. Não encontro papel, um papel! E saiu a andar com o telefone
pela casa. Senhor, dizia a telefonista intrépida, vou ditar o protocolo. Sei, vai falando. Mas
eram 16 números, não dava pra decorar. Um minuto, (caralho!). Um caderno! achou, o
caderno de Maysa. No meio da mesa entulhada, bagunça, com marcas pretas de fundos de
copos onde se depositavam baganas de cigarro, camarões e sementes e seda, e livros e lápis e
canetas e chaves e folderzinho de sinopse da cessão-cinema. O caderno de Maysa.
Maysa magricela, cabelos loiros e a pele cor de parede. Maysa a quem todos procuravam e
segredavam e se derretiam, mas que a ele não soprava um pino de tesão na perna. Maysa.
Abriu o o caderno, uma folha, um pedacinho de folha! Dizia folhando. Notas da aula de direito,
artigos, constituição e o caralho. Paginava e paginava com força e com raiva e com piedade de
si mesmo. Telefones, muitos telefones, de homens e mais homens. Roberto, Marcelo, João (o
da Rita), Chico, Marcinho, e a lista não acabava mais. A deixa: telefones com preços cifrados
ao lado. Maysa era garota de programa, puta. Até aí nada de mal. Desconfiava. Burburinhos
denunciavam que Fulano e Ciclano e até um professor. Mas, uma folha, um pedacinho que
fosse....nada. Maysa vagabunda, vagabunda de mão cheia – ele exclamava - vagabunda de não
acabar mais. Filha da puta, cadela molhada, cor de parede! Quem é que te come? Piranha!
Em? Não, não é com você não, disse à telefonista. E paginava. Um minuto, um minuto! Pedia.
Largou o telefone em cima da mesa e paginou e folhou e desfolhou. Uma folha caiu do livro e
veio ao chão. Uma carta. Notou o selo, trazia a foto de uma torre coniforme, uma torre grande
com outros cones menores circundando.
As letras arrastadas, era uma carta de sua mãe. Dizia volta filha, volta. E dizia vem que aqui
terá sempre sua cama e seu prato. Vem que a mãe te ama e teus irmãos ainda mais. Vem que
Maringá é teu lugar. Vem que a Rita transformou a vendinha num supermercado e ta tudo tão
fácil pra ela e mais fácil pra nós. Vem que a Rita fala que a alegria dela é você porque pra ela o
filho dela morreu. Vem que Maringá agora também tem universidade e os estudantes estão
por toda a cidade andando e fazendo bagunça. Vem que cada vez que a mãe vê uma menina
com livro em baixo do braço a mãe lembra de você, Maysa. Vem que o demônio de teu pai foi
embora. Que a mãe chamou a policia e ela veio e botou ele no chão e o velho agora tá de trás
das grades. Vem filha que aqui é teu lugar.
E nesse ponto ele percebeu que as letras iam se arrastando, dolentes, manchadas, molhadas
de lagrimas ou de cachaça, sabe lá. E então Maysa entrou pela porta, cabisbaixa e ele largou
rapidinho a carta no meio do caderno e desligou o telefone.
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