Estás sentindo o cheiro? Estás vendo a cor do sangue que banha o rio? Estás vendo a vida reclamando o sonho? Podes ver, podes ver os olhos da fome se esgueirando pela escuridão e brilhando mais alto do que qualquer estrela. Podes ver a dor? A lágrima de sangue represada em cada canto índio que ainda ecoa pelos corredores da América?
Podes ler a carta de Walsh, ainda podes entender o que Galeano quer dizer? Ainda sois, por humano( nesse mundo repleto da falta de humanidade) parte dos cem anos solitários que o condor nos presenteou, ainda amas qual fosse Úrsula, ainda sabes ser Quixote? Ainda saber ser Sandino?
Ainda cantas sob a chuva não dando importância para os olhos do que te encaram como se fosses a loucura represada em um invólucro corpóreo? Ainda sabes ser loucura em um mundo que de tão são, não entende mais seus próprios sonhos? Ainda vês a agua do rio? Ainda entendes o gosto do suor? Ainda lembras das coisas que jamais se pode esquecer?
Ainda lembras? Daquelas tristes guerras, aquelas não travadas por amor, daquelas guerras civis? Aquelas diárias? Lembras da solidão? Lembras do medo? Preciso que lembres, que sintas o medo, por que o medo nos move, preciso que tremas de pavor, mas que caminhes mesmo assim. Ainda recordas a fantasia? Daqueles dias fantásticos pelos andares mais profundos do sonho?
Lembras daqueles dias memoráveis de ser livres, daqueles dias livres em que o mundo era melhor? Lembras daquelas tardes? Aquelas tardes em que crianças explodiam ao ritmo do Napalm, aquelas noites claras como o dia ecoando em Kabul, lembras do pavor no rosto da criança que estaria melhor morta, pois acabara de perder tudo que conhecia como seu, seus pais, seus sonhos, sua paz, seu pedacinho de mundo?
Lembras da lágrima que derramo agora? Lembras dessa tristeza? Dessa dor? Lembras? Por favor, mundo, diz que ainda lembras, diz que não saberás esquecer. Diz, mesmo que seja mentira, que ainda há esperança, diz que os cães andarão mesmo sobre os carros, diz, diz o que preciso ouvir. Diz que realmente ainda tem gente que corre, simplesmente pelo prazer de correr, diz que ainda tem gente que escreve por que precisa. Diz mundo, manda uma tormenta que seque meus olhos, que limpe minha alma, que afogue essa dor. Diz o que é preciso ser dito. Diz que ainda vale a pena tentar.
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