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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Delírios de um amor sangrado

Texto do Amigo E. B. Rodríguez


Ela cuspia sangue, mas ele não se importava. Estava mais preocupado com sua própria dor, se ela morresse, bom a culpa seria dela por não ter se cuidado o suficiente. Ele a amava mas era um escritor, e todo escritor é narcisista. Amava a personagem dela que ele havia concebido, e no fundo não era sempre isso. Projeção. Se ela morresse ele sofreria, mas provavelmente lhe geraria bons poemas a dor da partida. Grande perda, grandíssimos ganhos, ganhos eternos, lembrou de Quintana e de um amigo poeta do poeta, poema para que se morresse.
Pensou em escrever algo enquanto ela agonizava uma dor quase eterna. Não tinha papel ou pena, apenas o lençol branco que ela já rabiscara com sangue, usou do sangue dela para as primeiras linhas que eludiam a um amor tão maior que não poderia ser deles dois, quando o sangue dela estancou resolveu cortar-se dando socos na própria boca. Usou do sangue que lhe fugiu dos lábios para terminar o primeiro estrofe, faltavam pelo menos duas.
Ela olhava-o quase com pena. Talvez com pena dela mesma, afinal, não tinha muito tempo. Talvez o olhasse com a esperança de um ultimo poema a ela dedicado, talvez nem o olhasse, talvez olhasse e não visse nada, apenas um quarto vazio, esperando a morte aparecer. Branco cor de fim e nada mais, e tudo mais.
Ele cortou a perna dela, na zona do joelho, ela não esboçou reação. O sangue impresso em seu dedo serviu para o segundo estrofe, um estrofe inspiradíssimo por sinal, seus olhos brilhavam enquanto os dela escureciam, ela foi se apagando mas seus olhos quase mortos, ainda esperavam o final da peça, a resolução da cena que inevitavelmente seria a ultima que ela seria capaz de enxergar.
O terceiro estrofe foi o mais sentido, ele cortou o seio esquerdo dela e colocou sua mão quase inteira dentro do peito dela, as linhas foram sendo espalhadas pelo papel, mas ele parecia um artesão mesmo com tanto sangue nas mãos não borrou nada. E o ultimo paragrafo correu perfeito pelos corredores do poema. Ele retirou o lençol e o estendeu, ela tentou entender o que dizia ali, mas não soube definir. Os olhos da moça foram se fechando, ele se enrolou no lençol e saiu do quarto, enquanto ela morria atrás dele, sem uma despedida, sem um poema.
Ele foi até o lixo mais próximo, depositou o lençol que trazia enrolado, andou pelo corredor e entrou em outro quarto branco, como o da ultima mulher que ele amara. Estava ali linda, imóvel, quase morta, outra mulher para amar. Ela estava sofrendo, sangue lhe fugia das orelhas, mas ele não se importava, pensou em escrever-lhe um poema, mas não tinha pena ou papel, sorriu e pensou:
- Para o primeiro paragrafo, o sangue das orelhas deve bastar, meu amor.

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