Era uma senhora e tinha uma bengala. Beirava já os 80, senão, os 90 anos. Não era bela, embora eu pudesse afirmar que em sua mocidade havia sido linda. A vi, ela caminhava como quem tem tempo, como quem tem a vida por diante. No arremedo de um sonho e uma dose galopante de realidade, eu simplesmente a vi, vindo em minha direção, como se tivesse algo a me dizer.
- Oi. Lembras de mim? Fomos felizes em outra vida
Uma voz que não a minha, de uma boca que eu jamais soube ter, sem que eu pudesse perceber respondeu.
- Sim, e nos amamos também.
- É verdade – Respondeu em tom cordial- Já não se fala de amor nestes tempos. Mas e como estás? Que tens feito? Como andam os poemas?
- Estás exatamente como pensei que estarias. Bem, os poemas que me restaram morreram comigo. Os demais morreram contigo.
- Não, não morreram. Deixei-os livres certa tarde de um agosto que de tão distante, parece quimérico.
- Bom, não falemos de passado. – Falei, tratando de mudar de assunto – Diz-me como é estar vivo nestes dias?
- Melhor do que morto creio eu. Tenho dias bons e dias ruins, como tínhamos quando atrevemo-nos a pensar como um. Mas bem, cá estou eu mais uma vez falando de passado.
- Pois é, Quintana, nos alertou muito tempo atrás, sobre a necessidade do passado de sempre fazer-se presente.
- Quintana sabia o que dizia.
- É ele é assim- Ela disse, como se aquela frase não estivesse guardada em ti a milênios, mil milênios quiçá.
Rimos os dois, pois teríamos de rir de algo. Pois ela veio sorridente e eu não poderia jamais fingir que estou fingindo o meu fingimento que ela já conhecia. Tive de fingir outro, mais verossímil. Se bem, que agora cá em meu finado intento de estar vivo, percebo que o tempo deve ter sido meu aliado. Tornado segredo tudo que deixou desnudo um dia.
- Bem, vim dizer-te que sinto a tua falta. – Concluiu a senhora que ainda me tinha nas retinas.
- Eu posso afirmar-te que nunca te fostes.
- Ainda estamos vivos em algum, não é?
- Viveremos pra sempre em algum lugar. Lá, venceremos a nós mesmos. E cada um de nós terá sua bengala. E nossos filhos, serão nossos filhos. E não mais lembrarei minhas derrotas, pois, um homem pode sim vencer suas maiores batalhas.
- Eu quase posso nos ver lá.
- Eu sei que sim, minha querida. Sei que fostes tu que viestes. E que talvez não tenha sido este teu ultimo desejo, mas tens de ir comigo pela mão, agora.
- Não me digas que depois de tanto tempo, ainda me desejas tanto.- Gracejou a senhora. E novamente rimos, como há muito tempo eu não recordava rir.
- Queria que pudesses ficar mais.
- Eu também, tenho amores demais pra viver.
- Pensando bem, talvez seja melhor mesmo, que partamos agora.- Gracejei eu, desta feita. E rimos, rimos, como haveriam de rir dois que tanto riram em outro universo.
E de mãos dadas e pés descalços caminhamos. As unhas do teu pé não tinham esmalte, eram brancas, como nasceram para ser, tuas mãos teimosas e naquele instante quase rejuvenescidas tinham unhas de um verde escuro, quase preto.
- Gostei dessa cor. – Eu disse sinceramente
- Mentira – Respondeu a senhora- Nunca me dirias isso se ainda estivéssemos juntos.
As portas que se abriram sem que ninguém pedisse que isso ocorresse, se fecharam com nós dois lá dentro. Estávamos vivos e mortos. E quem se importava. Essa é uma história sem fim e sem começo.
Oi Bi, acheii lindo! Lindo demais. Como sempre: me fizesse chorar! Um beijo!
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