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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Desimportâncias

Uma página em branco acompanha uma madrugada de insônia, as primeiras letras, feitos notáveis da evolução humana, unem-se as demais, formando palavras e frases e a madrugada contínua imutável como todas as madrugadas terrestres.

De que importam as nuvens que cruzam as janelas e tornam a noite opaca, se um sábio já nos ensinou que sobre elas as estrelas seguem vivas, mesmo aquelas que já morreram, que não me incomodem por muito tempo as nuvens, gosto da chuva e ponto, poderiam chover estrelas às vezes.

E então tudo é tempo correndo, segundos humanos de eras que a terra vê como fugaz instante, no fim, pensa-se demais sobre o fim. Perde-se tempo demais da vida com medo da morte. Um dia saberei quanto tempo se gasta da morte com medo da vida, espero que esse dia ainda se demore, e que acima de tudo, não se faça pontual, quero um algoz parecido comigo, sempre atrasado, não um gentleman inglês que sempre chega na hora.

Penso e escrevo e a madrugada ainda me encara por detrás de uma persiana fechada. Não há nuvens não faria sentido deixar a janela aberta. Os mosquitos vampiros diminutos e sem charme algum, já acham brechas em meus sistemas de proteção com a janela fechada, imagine se aberta estivesse.

Lembro de coisas que não deveria lembrar, pois nunca as fiz, e isso me ajuda a contornar o cabo do bom do sono. A luminosidade também atrapalha e eu sigo desperto, em frente a uma folha que já não está em branco desde a primeira frase lá em cima.

Lembro uma mulher que não conheço e quase a beijo transcrita no papel, jovem e bela como os poemas costumam ser. Não me incomodo que assim seja, o tempo, palavra tantas vezes repetida neste texto, nada mais é do que um ponto variavelmente fixo.

Contraditório? Talvez. Mas a resposta é bem simples, o tempo caminha invariavelmente. O que o faz fixo e variável por andar, afinal, jamais se está em um mesmo momento duas vezes e ainda jamais se pode voltar a tal momento. E no fim ele é ainda mais fixo. Porque? Parece meio óbvio, simplesmente, por que ele não importa mais pra nós. Jamais conheci um morto que usasse relógio.

Um grande homem disse certa vez, quando perguntado por espirituoso repórter se acreditava em vida após a morte, que sim, completando, com uma afirmação que me incomoda um pouco, enquanto aqui estou pensando em morte, enquanto tentava pensar em vida, são coisas que andam juntas creio eu. Mas voltando ao tema central, esse homem disse que sim, que acreditava que estávamos vivendo ela.

Há algumas interpretações para essa resposta, ocorreram-me, no entanto, apenas duas a primeira quase de viés espiritista que vai-se e volta-se a vida, cada dia num lugar, num ponto diferente. A outra, que estamos todos mortos, e que (in) felizmente ainda não percebemos isso.

As duas me incomodam bastante, como já referi em algum momento. Mas é normal que as coisas me aborreçam. Eu sou um cara legal. Inteligente na mesma proporção em que sou arrogante, amigável na mesma proporção em que sou chato, bonito na mesma proporção em que sou feio, genial na mesma proporção que um idiota completo.

Sobre minha cabeça, no andar de cima, desse prédio em que o dinheiro me obriga a viver, dois namorados discutem. Gritam, esperneiam, já houve até violência certa vez, eu não me atrevo a me atrever. Alguns motivos podem parecer pequenos, mas aprendi com o tempo que os bons motivos, são sempre uma esquiva daquilo que deveríamos ter feito.

A página não está mais em branco, o que faz as várias partes de mim gritarem em tons distintos. Certa vertente me agradece diz que precisava botar as coisas pra fora, são quase adolescentes escrevendo um diário. Outra parte me diz que delete tudo, pois, nada do que eu disse faz real sentido. Parece um emaranhado de desconexas idéias brigando entre si, ser desconexo é grande parte do meu show. Uma frase de efeito me ocorreu para o fim e me fez resgatar o assunto da morte que referi alguns parágrafos atrás. Poderia usá-la num poema, mas tem tanto tempo que não me sai um bom poema. Ela até que me acalma, a frase, digo eu. Não devo me preocupar demais com a vida e com a morte, nem com as coisas que deixei pra trás, as derrotas que me venceram, e os segundos que me envelheceram vorazmente, simplesmente, por que, e aí vai ela, a frase, no fim da história o protagonista sempre se ausenta.

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